Visitar a redação da Poetizar foi
bem interessante. Foi como entrar em um cenário de filmes Hollywoodianos, um
andar inteiro de um grande prédio no centro da cidade.
A redação da revista
consistia em um amplo salão logo na entrada onde ficavam algumas mesas, todas
com computadores e separadas por divisórias, como pequenos escritórios. Nelas
pessoas trabalhavam freneticamente, digitando textos, fazendo pesquisas ou
falando ao telefone. No lado direito do galpão estavam as salas da diretora da
revista, dos editores chefes, uma sala de reuniões, a cozinha e os banheiros.
Na lateral oposta as grandes janelas que davam uma bela visão do centro da
cidade, dali do décimo andar era uma vista deslumbrante.
Cerca de vinte pessoas trabalhavam
ali, transitando de um lado para o outro. Fui apresentado a algumas, mas
confesso que não prestei atenção em ninguém. Estava ocupado tentando entender
como aquilo funcionava e encantado com a estrutura. Achei que a Poetizar era
uma revista pequena que ficava num prédio alugado caindo aos pedaços, um típico
projeto estudantil sem verba. Porém era algo realmente profissional e dava para
notar que o patrocínio e a venda de publicidade na revista contribuíam e muito.
A Excelsior também bancava parte dos custos, tudo para ter seu nome em destaque
como apoio cultural.
Já na sala de Suzane fui
surpreendido quando ela me contou o quanto iria receber para escrever poemas
semanalmente. Um preço fixo de 120 reais por poema. Sendo quatro poemas por
mês, mais o especial para a revista, um total de 600 reais a mais na minha
renda. Fiquei quase em estado de choque, já que ganhava 800 reais na livraria e
precisava me virar para pagar minhas contas. E eu ganharia aquele dinheiro
trabalhando em casa, escrevendo, algo que era fácil para mim. Sem contar que
tinha a liberdade para escrever crônicas também.
Embora estivesse empolgado com a
visita à revista e principalmente com o dinheiro que ia ganhar, minha mente
sempre tomava outro rumo a cada pausa na conversa com Suzane. Era impossível
não pensar que daqui a pouquíssimo tempo iria encontrar com Crystal. Havíamos
combinado de tomar sorvete em uma sorveteria ali perto, e eu já estava em
pânico.
Tão logo a visita acabou já faltavam
pouco mais de vinte minutos para o horário do encontro. Saí de lá e fui
caminhar pelo centro da cidade. No caminho parava em frente a todas as
vitrines, para ver meu reflexo e checar se estava tudo ok. Insistia em arrumar
o cabelo sempre e ajeitar a blusa. Vestia calças jeans escuras, sapatos sociais
e uma camisa social preta, com as mangas dobradas até quase a altura do
cotovelo. Optei por um visual mais sério por causa da vista a redação, queria
parecer mais bem vestido, logo ao sair de lá dobrei as mangas da blusa numa
tentativa de parecer mais despojado. Confesso que essa era a melhor combinação
que poderia fazer com as roupas que tinha no armário, não tinha muitas opções. Carregava
comigo a pasta com algumas cópias dos poemas, tinha feito mais cópias do que o
necessário acabei trazendo-os de volta.
A sorveteria onde iriamos nos
encontrar ficava de frente para uma das mais bonitas praças da cidade e foi lá
que eu fiquei, esperando a chegada da Crystal. Me sentei em um dos vários
bancos de madeira que ali haviam, embaixo de uma árvore. Daquele local podia
ver sem obstruções a sorveteria e quando Crystal chegasse iria até ela.
Poucas pessoas circulavam pela praça
que possuía um formato oval. Tinha diversas árvores e um espaço elevado,
formando um pequeno palco em seu centro, onde nos finais de semana aconteciam
shows gratuitos.
À medida que o tempo ia passando eu
fui ficando ainda mais nervoso. Minha ansiedade era um monstro que me corroía
por dentro, esperar era uma tortura. Estava inquieto, conferia o celular a todo
o momento, com receio de chegar uma sms da garota da ficção, avisando que não poderia
ir. Imaginei diversos motivos para ela me dar o bolo. Era atormentado por
dúvidas que apenas aumentavam a cada minuto que se passava.
Meia hora se passou, Crystal estava
mais de quinze minutos atrasada e eu me perguntava se ela realmente iria vir. Não
tirava os olhos da sorveteria, torcendo para que ela surgisse a qualquer
momento. Mais nada a minha volta importava, estava focado olhando para o outro
lado da rua.
—Nossa, como ele está concentrado.
—sussurrou uma voz feminina logo ao meu lado. — Jurava que tínhamos marcado de
nos encontrar na sorveteria.
Me virei assustado e vi a imagem de
uma linda garota logo ao meu lado. Ela me encarava com um sorriso irônico,
esperando que eu respondesse. Diferente de todas as vezes que tinha a visto,
hoje ela estava com um leve vestido azul claro que chegava a altura de seus
joelhos. Seus cabelos soltos esvoaçavam com o vento e sua pele branca parecia
ter luz própria. Por alguns instantes achei que era um anjo. Me levantei ainda
sem fala e sorri.
—Alguém está atrasada. —finalmente
falei, olhando-a nos olhos.
—Não gosta de esperar, criança?
—retrucou com sua voz sedutora. — Não seja tão ansioso.
—Já estava ficando entediado aqui.
—comentei me aproximando para abraçá-la.
Ela retribuiu o abraço e pude sentir
o toque de sua pele na minha. No mesmo instante meu coração disparou. Pude
sentir também o seu perfume suave e inebriante. Crystal então me deu um leve
beijo na bochecha e se afastou. O toque de seus lábios macios em meu rosto fez
um arrepio percorrer todo o meu corpo. Como era possível uma garota mexer tanto
comigo?
—Então, vamos ou não tomar sorvete?
—ela se afastou sorrindo de forma jovial. Eu apenas meneei a cabeça
positivamente e ela começou a caminhar, passando por mim. Segurando meu punho
ela me puxou para ir com ela. —Vamos criança, virou uma estátua?
Preferi não responder e seguimos
lado a lado até a sorveteria. Crystal quis comprar seu sorvete e voltar para a
praça, não achei a ideia ruim e logo já estávamos de volta ao banco no qual eu
a havia esperado. Ela com uma casquinha de sorvete com três bolas –uma de
morango e duas de chocolate- e eu com um pote de sorvete de maracujá –o qual eu
era apaixonado.
Nos sentamos lado a lado no banco
enquanto Crystal se lambuzava no sorvete parecendo uma criança que nunca tinha
experimentado um sorvete na vida.
—Cuidado, criança. —Alertei. — Vai
se sujar toda desse jeito.
—Ei, vai querer me ensinar a tomar
sorvete? —disse ela com a ponta do nariz suja de calda de morango.
—Hmmm! —murmurei passando o dedo
indicador na ponta de seu nariz e limpando a calda. — Acho que sim.
Crystal ficou momentaneamente
deslocada e diminuiu a vontade com que tomava seu sorvete. Eu fiquei rindo
observando ela levemente vermelha e envergonhada, nem parecia àquela garota misteriosa
que frequentava a livraria.
—Então. –disse ela quebrando o
silêncio. — Você foi demitido?
—Eu? Não! —respondi intrigado com a
pergunta. — Por quê?
—Está todo arrumado, com uma pasta na
mão. —comentou apontando para a pasta. — Sem falar que não trabalhou hoje. Para
mim, você estava procurando emprego.
—Na verdade não. —disse depois de
comer um pouco do meu sorvete. — Eu fui visitar uma revista onde irei trabalhar
de freelancer. Apenas enviando textos
e poemas para lá. Nada que comprometa meu trabalho na livraria.
—Uau! Legal. —exclamou. — Você
escreve muito bem. O poema que eu li é realmente muito bonito.
—Lembro de você ter comentado que
viu muito de mim no poema. —comentei. – Poderia me dizer o que viu?
— Só se você fizer algo por mim em
troca. —ela respondeu rapidamente.
—E o que quer em troca?
—Quero que leia o poema para mim.
Ele está aí? —indagou me olhando fixamente.
—Sim, está. Quer que eu leia agora.?
—questionei. — Vai ter que me falar primeiro.
—Nada disso. —respondeu meneando a
cabeça. —Eu respondo se você ler primeiro. Se não for ler, vai ficar na
curiosidade.
Eu sempre odiei recitar meus poemas
ou ler qualquer tipo de texto em público. Sempre fui muito tímido e aquele
pedido era realmente algo difícil para mim. Se ler na frente de outras pessoas
me assustava, imagina ler na frente dela? Crystal por si só me deixava tímido,
quem dirá lendo.
Contudo ela continuava me encarando,
esperando por uma resposta. Seus olhos fixos em mim pareciam ter um poder
magnético sobre o meu corpo. Eu não conseguiria resistir a aquilo. Além do fato
de estar curioso a respeito das coisas que ela disse enxergar no meu poema.
Tomei coragem e coloquei meu pote de sorvete sobre o banco, apanhei a pasta e
retirei o poema. Crystal sorriu satisfeita e se ajeitou no banco.
—Espero que não se arrependa de me
pedir isso. —comentei pegando o poema. Vamos lá...
Respirei fundo e me concentrei,
precisava conter o nervosismo. Devagar, comecei a recitar o poema.
—“Cores
de Outono...
Seus
olhos castanhos me fazem lembrar,
As
cores do outono que acaba de chegar.
O
profundo mistério em seu olhar.
Me
intriga de forma a me arrepiar.
E
as cores quentes desse céu.
Me
lembrando seus cabelos que caem como um véu.
Emoldurando
seu rosto com perfeição.
Tornando
sua face a mais bela canção.
Como
a canção dos pássaros louvando o dia a raiar.
Ou
das ondas que se chocam nas areias do mais belo mar.
Uma
sinfonia doce repleta de luz.
Um
mistério que do seu olhar reluz.
E
as cores do outono insistem em surgir.
Mescladas
a ti, quando lindamente sorri.
E
fascinado eu tento entender.
A
razão pela qual não consigo esquecer.
As
cores de outono que vibram ao entardecer.
Tão
intensas e vivas, assim como você.
Que
de longe despertam o mais puro olhar.
Daquele
que tanto quer lhe conquistar.”
E
assim eu me sento sobre essa árvore.
Assistindo
as folhas caírem de forma suave.
E
olhando encantado a noite chegar.
Fascinado
com as cores de outono presentes no seu olhar.”
Crystal me encarava sorrindo, como
se soubesse que o poema era para ela. Quando nossos olhares se cruzaram outro
arrepio percorreu meu corpo e eu me dei conta de que havia lido o poema para a
garota que tinha me inspirado a escrevê-lo. Aquilo era surreal. Enquanto eu lia
Crystal havia tomado todo seu sorvete e agora dava pequenas mordidas na
casquinha.
—E então? —indaguei colocando o
poema de volta na pasta.
—Você lê muito bem. —ela respondeu.
— E sua voz é linda. Um tanto quanto encantadora.
—Não... não foi isso que perguntei.
—gaguejei surpreso com o elogio. — E minha voz é comum. Quero saber o que você
“enxergou” no poema.
—Teimoso você, criança. —ela parou de
comer a casquinha e me encarou. Depois de alguns segundos desviou o olhar e
continuou a falar. — Achei você doce, sensível, inteligente. Descreve as coisas
de uma maneira bonita. Parece enxergar o mundo de uma maneira diferente das
outras pessoas. Vi que você é intenso em relação aos seus sentimentos e que é
romântico. É isso, satisfeito?
—Não sei, talvez. —sorri, na verdade
um meio sorriso, tentando parecer enigmático. Ela realmente havia lido a minha
alma ao ler o meu poema. Tinha um bom raciocínio e uma ótima interpretação. —
Obrigado pelos elogios.
—Não me agradeça, não gosto quando
ficam me agradecendo por isso. —ela então se aproximou de mim como se fosse me
beijar, fiquei estático sem entender. Se abaixou rapidamente e usou a pequena
colher de plástico do sorvete para roubar um pouco do meu sorvete de maracujá
que estava no pote em minhas mãos. —Seu sorvete está derretendo.
—Eii! —exclamei com um ar de revolta.
Talvez mais revoltado por ela não ter me beijado do que por ter pegado um pouco
do meu sorvete. — Quem deixou você roubar o meu sorvete?
—E por acaso alguém precisa deixar
para ser roubado? —indagou com um tom sedutor, colocando a colher na boca e a
chupando devagar. Meu Deus! Aquilo era golpe baixo! — Se você bobear eu irei tomar tudo de você.
O duplo sentido nas frases dela somado
ao ar sedutor me deixavam sem fôlego. Sorri e continuamos a conversar, ela
sempre roubando um pouco do meu sorvete.
O tempo foi passando sem que
percebêssemos. Terminei meu sorvete e ficamos ali, falando sobre várias coisas,
um assunto emendando o outro. Livros, filmes, faculdade. Ela me contou pouco,
não parecia gostar de falar de si. Disse que cursava Filosofia, estava no
primeiro período. Tinha dezoito anos e também tinha se mudado para a capital
recentemente. Não comentou sobre trabalhar e não parecia ter um emprego. Em
alguns momentos fez pausas para conferir o celular, como se esperasse uma
mensagem ou ligação.
Depois de um bom tempo conversando nos
levantamos e começamos a caminhar. Precisávamos ir embora, afinal teríamos aula
a noite. Paramos então em uma esquina para nos despedirmos.
—Foi bom passar à tarde com você,
Crystal. —comentei com um sorriso.
—É, você é até legal, criança. —ela
nunca dava o braço a torcer. — Considere que estamos quites, você não me deve
mais nada.
—Acho que não. —retruquei retirando
uma das cópias do Cores de Outono da pasta. — Toma, pode ficar com ele. Acho
que agora estamos quites.
—Obrigada. –ela sorriu pegando o
poema. — Acho que agora eu devo ir, senão iremos nos atrasar.
—Sim. —sussurrei e aproximando devagar
para beijá-la.
Meu coração disparado, quando estava
prestes a beijá-la ela se esquivou e me beijou no rosto.
—Nos falamos depois, criança.
—sussurrou próximo ao meu ouvido, pausadamente e novamente com um tom sedutor.
Me arrepiei por inteiro. Ela então se virou e deu um passo, parou e acenou. —
Tchauzinho.
—Tchau, criança. —respondi, um pouco
revoltado por ela não ter aceitado meu beijo e atordoado pelo seu sussurro. Ao
ouvir o “criança” ela parou, se virou e sorriu levemente, depois voltou a
caminhar. Fiquei ali a observando, totalmente deslumbrado com tudo aquilo. Como
ela conseguia me envolver tanto? Será que eu estava me apaixonando por ela? Tão
cedo assim?
Na Universidade, não consegui prestar
a atenção em nenhuma das aulas antes do intervalo. Já estava na metade do
primeiro horário pós-intervalo e eu nem sabia o que estava fazendo ali naquele
dia. Repassei várias e várias vezes tudo que acontecera na minha tarde. Primeiro
a visita à revista, depois o encontro com Crystal. Desde o surgimento daquela
garota a minha vida tinha começado a se movimentar novamente, as coisas
pareciam querer sair do tédio e da melancolia.
De repente senti meu celular vibrando.
Tirei-o do bolso da calça e vi que havia recebido uma sms. Me surpreendi ao ver
que era da Crystal. Cliquei imediatamente para ler.
“Criança,
me encontre na biblioteca, agora... é importante. Bjo, Crystal”
O que diabos ela queria comigo no
meio da aula? Hesitei por alguns segundos e então me levantei da carteira e
segui até a biblioteca. Intrigado, curioso e confuso. O que será que era tão
importante assim para ela interromper a aula? Tentar entender o que se passava
na mente dela era impossível, a única coisa que eu poderia fazer era apressar o
passo...
Uau... lindo poema.. Estou adorando a história, leve e divertida, com momentos de drama singulares. Ansiosa pelos proximos capítulos.
ResponderExcluirObrigado, fico feliz que esteja gostando, hoje ainda teremos um capitulo novo de tirar o fôlego.
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